
Cansado, com fome e sem nada nas mãos, o jovem perguntou para a mãe sobre a refeição do dia, mas a coitada tinha preparado apenas um caldo “fraco” feito com um resto de osso de boi. Revoltado com toda aquela cena de miséria, Crispim descontou toda a sua ira na impotente mãe, a única que compartilhava com ele aquele momento de escassez. O jovem descontrolado espancou ferozmente a mãe, ferindo-a gravemente, tanto no corpo como na alma.
Já em estado terminal, a mãe agonizante de crispim sussurrou uma praga ao vento, pedindo justiça ao poder divino. A partir daquele momento Crispim tornou-se o filho amaldiçoado, que foi punido por seu descontrole. Como resultado da praga da mãe, o jovem sofreu uma horrenda metamorfose. Sua cabeça cresceu, seus dedos criaram nadadeiras semelhantes às de pato. Sua boca se alargou e seus dentes ficaram comparáveis aos de um jacaré. Para completar, Crispim ficou condenado a habitar as águas dos rios Parnaíba e Poti, alternando sua morada a cada seis meses.
A aberração em que Crispim se transformou é conhecida até hoje como Cabeça de Cuia. Antes que a maldição seja quebrada e Crispim seja libertado, ele terá que engolir sete moças virgens de nome Maria. Os mais antigos contam que esse monstro vaga até hoje, seis meses assombrando águas do Rio Parnaíba e seis meses aterrorizando as margens do Rio Poti. A seguir, compartilho o poema que criei para contar esse mito local.
Cabeça-de-cuia
por Rafael Nolêto
Crispim foi pescar quando a fome apertou
Passou toda a noite na beira do rio.
Mas foi tudo em vão, pois nada pegou
E continuou com o bucho vazio.
Decepcionado e sem peixe na mão
Voltou para casa sem a refeição.
A velha mãezinha, com muito esforço
Preparou-lhe um caldo com resto de osso.
A fome era grande e o estômago roncava
Estava em fase de auto devoração.
A perna tremia, a cabeça rodava
Crispim recebeu o encosto do Cão.
Possuído pela fome, fez do osso sua arma,
Espancou a própria mãe e definiu o seu carma.
A mãe injuriada praguejou o filho ingrato,
Que reclamou da comida e cuspiu no próprio prato.
Estava formada a bagaceira!
A cabeça do jovem começou a inchar,
Nos dedos surgiram pelancas,
As pernas ficaram mancas.
Naquele momento a terra tremeu,
Crispim atirou-se na beira do rio.
A mãe deu ataque, ligeiro morreu
Foi o efeito da praga que logo surtiu.
Um monstro sinistro ali surgia
Criatura horrenda, cheia de magia.
Para desfazer toda essa maldição
Cabeça-de-Cuia tem uma missão.
Sete virgens de nome Maria,
Cabeça-de-Cuia deve devorar.
Deve caçá-las de noite e de dia,
Senão sua saga não vai terminar.
Seis meses no Rio Parnaíba,
Seis meses no Rio Poti.
Seus lamentos só terminam
Quando o seu fardo cumprir.
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Ilustração: Rafael Nolêto |
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